Alaranjado

Ele odiava a mescla de laranja e amarelo formada no oriente. Principalmente quando as nuvens desenhavam no azul celeste para moldar ainda mais aquela cena.

Odiava profundamente.

Cada uma daquelas tonalidades que formava no céu, vez ou outra até rosa aparecia, lembrava a ele os detalhes nos olhos dela. Um castanho levemente pintado de claro que brilhava ainda mais quando o por do Sol se punha.

Odiava, mas não conseguia deixar de admirar a despedida do sol.

Admirava diariamente. E admirava porque era ali que ele lembrava dela. Era através dessa transformação de dia em noite que ela estava. Cada pequeno pedaço dela estava ali. E por isso ele também odiava o por do Sol.

Nada era assim antes daquele dia. Ele nem reparava em nascer ou morrer do Sol ou de Lua. Nunca fez tanta importância ou diferença aquele momento terreno e divino. Nunca até conhecer ela.

Ela tinha cabelos vermelhos esvoaçantes. Lábio pequeno, olhos cor de mel. Nariz modelado no rosto. Algumas pintas na bochecha finalizavam o charme daquele conjunto de detalhes. Ela também tinha uma vontade absurda de sair e conhecer o mundo. Sonhadora demais.

Trocaram o primeiro beijo em meio a um dia chuvoso embaixo da arvore da praça depois de um tempão sendo só amigos.

Ficaram só amigos por muito tempo. Tempo demais.

Mas amigos que se beijavam. Que fugiam escondidos depois da aula e ficavam enroscado em um canto distante pra ninguém ver.

Ela ensinou ele a olhar pro céu no fim do dia e ver o dia indo embora. E ele começou a gostar de olhar aquele eterno fim porque os olhos dela ficavam mais brilhantes.

O que ele não gostava, é que ela sempre dizia que queria ver o Sol partindo de todos os lugares do mundo. Que coisa era aquela de querer ver a mesma coisa de todo lugar? Ele nunca tentou dizer pra ela parar de ser doida com aquelas idéias. Ela era firme com aquilo. Mas sei lá né, vai que ela desistia disso?

Ela não parecia querer ele tanto quanto ele queria ela. Mas ele gostava tanto dela. Gostava de sair da escola, ir pra um lugar escondido, beijar, ver o Sol ir embora.

Até que ele criou coragem, roubou a toalha xadrez da mãe, roubou doce da casa da avó e comprou suco. Tacou tudo na mochila e fui pra escola. Depois que saiu ele e ela foram pra um campo, não tão perto e nem tão longe. Eles namoraram. Depois comeram. Tudo em cima daquela toalha xadrez vermelha e branco. E ela então contou pra ele que ia viajar, ia conhecer o mundo. Ele lembrou de tudo o que já tinha visto em filme romântico, precisava fazer alguma coisa pra ela desistir de tudo e ficarem juntos pra sempre.

Criou coragem, respirou fundo, pegou na mão fina dela e disse em um tom de voz baixo, meio rouco:

– Eu te amo. Quer namorar comigo?

As bochechas repletas de pintinhas nem vermelha ficaram. Mas ela sorriu complacente, deu uma batidinha amigável nas costas dele.

– Eu prefiro o por do sol.

Foram as últimas palavras que ele ouviu ao som da voz doce dela. Palavras essas que saíram como uma brisa, mas acertaram ele como uma chicotada.

Ele nem soube o que responder. O que ela disse ficou ali martelando a cabeça dele, martelando até ele não suportar mais e querer tirar aquilo da cabeça a todo custo. Mas não tinha como tirar aquilo da cabeça.

Ela levantou, ajeitou o vestido e foi embora. Sem dizer nada além daquela história de “prefiro o por do sol”. Ele estava paralisado sentado naquela toalha xadrez. Viu ela indo embora dali, viu sumir. Mas o cheiro dela estava ali e o por do Sol também, pra ele ver, admirar e lembrar para toda a vida as últimas palavras que ela jogou nele.

Ele odiava o por do sol desde aquele dia, odiava porque como ela, o por do sol era sempre a última coisa do dia.

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