As crianças africanas em Luuanda, Os da minha terra e Ngunga.

Esse ano tive o prazer de estudar literatura africana. Antes da USP eu não tinha qualquer conhecimento sobre o assunto e descobri que parte disso é devido ao colonialismo presente nos dois continentes. E claro, o fato de grande parte da história do mundo ser contada por uma visão bem específica e elitista. Pois bem, resolvi me matricular em Literatura Africana de Língua Portuguesa I – Angola. Estudei no semestre autores angolanos, passando ainda por sua história como país e colônia. A Tânia, professora, é um ser maravilhoso e pode ainda nos abrir mais a mente através de sua visão social e política. Pois bem, depois do semestre todo estudando desde as obras durante guerra, pré e pós libertação, finalizamos com um trabalho comparativo sobre 3 obras: Luuanda, As aventuras de Ngunga e Os da minha terra. Foi lindo fazer o trabalho e principalmente poder ler obras tão ricas, para a Fuvest eu já havia lido Mayombe, mas minha base na literatura africana ainda é muito rasa. Decidi também compartilhar com vocês o trabalho, eu o executei junto a uma colega (a Bia) e falamos das crianças africanas presente nas obras e suas representações históricas na cultura angolana, é quase uma resenha também:

A VISÃO DE ANGOLA ATRAVÉS DAS CRIANÇAS DE LUUANDA, OS DA MINHA TERRA E AS AVENTURAS DE NGUNGA.

INTRODUÇÃO

Cinco diferentes histórias trazem ao centro da discussão personagens crianças com diferentes pontos de vistas sobre um país que lutou pela sua independência e após isso precisaram lutar em uma guerra civil, crianças essas que também podemos representar hoje como pré-adolescentes. Cada qual em uma diferente realidade e características próprias, vivendo em diferentes momentos de Angola trazendo ao leitor diferentes pontos de vista e realidades sobre um país em guerra e em formação, seja por um personagem que passa fome nos bairros pobres, um que não encontra trabalho digno pela dupla deficiência, a do seu corpo e a do seu musseque, um que luta na guerra junto ao MPLA e um que, entre os quatro, possui uma infância aparentemente mais feliz e tranquila durante a guerra civil e que nos conta um pouco da redescoberta cultural de Angola e principalmente de Luanda durante a guerra que os rondava pós libertação.

Baseado nisso, o trabalho a seguir visa analisar e explorar esses quatro personagens criança nos livros: As aventuras de Ngunga, no qual Ngunga é o personagem central de treze anos e que se torna um guerrilheiro dos movimentos de libertação de Angola; Os da minha rua, em que Ndalu narra suas histórias -autobiográficas- durante a infância em Luanda e por fim Luuanda, considerando o primeiro dos contos, no qual temos Zeca Santos, aparentemente mais velho que os demais, porém ainda na fase adolescência e que vive na miséria junto com a avó em um dos bairros mais pobres de Luanda; e o segundo conto em que Garrido, um menino aleijado que sofre as limitações sociais de seu corpo enquanto busca trabalho, amor e reconhecimento das pessoas ao seu redor. Os monandengues Beto e Xico, do terceiro conto de Luuanda, embora muito relevantes para o desfecho da história da galinha Cabíri, pouco são focalizados durante a estória, a qual se volta mais para a discussão sobre a proprietária do ovo, por isso, o trabalho se concentrará nos outros personagens, ainda que estes sejam citados eventualmente.

Através da perspectiva de cada personagem, o trabalho busca comparar as quatro infâncias e relacioná-las ao momento histórico de Angola apontando as descobertas e redescobertas do país e de cada personagem em sua personalidade e característica.

ANÁLISE

Nos três livros analisados encontramos diferentes personagens em idade ainda criança ou pré-adolescência, cada qual com suas peculiaridades, porém os quatro em condições históricas correlacionadas. Em um contexto Angolano, um país muito novo em relação a sua libertação, a fome, a miséria, a luta e a infância são pontos de extrema atenção e que foram retratados de maneiras diferentes em cada um dos textos. Podemos então, através das crianças, entender o momento do país e as lutas que se angariavam. A relação dos personagens se torna importante pois, através da ficção em suas construções como personagem, é possível analisar o contexto e a situação social do país e do momento: a ficção nos leva a compreender o real.

Esse ponto da ficção na formação e aproximação da história de Angola se faz no texto de Rita Chaves quando aponta que a “história das Letras em Angola se mistura ostensivamente à história do país”. As literaturas se misturam à realidade e exporta para além de Angola outros países, por isso também a importância de olhar no detalhe esses três textos para nos aproximarmos e entendermos mais da história de Angola.

Começando com As Aventuras de Ngunga, publicado em 1973 (dois anos antes da libertação) conhecemos Ngunga, um menino de treze anos e órfão, dentre os três, esse é o livro que aborda mais diretamente a guerra de libertação de Angola contra o colonialismo salazariano de Portugal. Ngunga vive de certa maneira como andarilho de kimbo em kimbo após a morte dos pais pela guerra, ele busca um lugar e talvez até um lar. Ngunga é um aventureiro, apesar da pouca idade e de não se descrever como tal. Destemido, ele vaga por lugares sem medo de trabalho vivendo daquilo que os lugares podem lhe oferecer. Além de perder os pais, o menino também vai perdendo todas aquelas pessoas a quem tem um carinho e que vai conhecendo durante sua jornada, tudo movido pela guerra que o cerca. Em seu pensamento infantil, classifica os adultos como pessoas más e as crianças como boas, porém um dos adultos a quem tem uma proximidade, o professor União, é o único adulto o qual ele considera que não é mal. Em sua jornada, conhecemos um pouco do interior da Angola e da sua flora. Ngunga é bastante reservado e quieto, não costuma falar muito, é honesto e dedicado aquilo que faz, vive sua infância a maneira que dá, sem grandes regalias e trabalhando desde muito cedo. Grande parte das pessoas que conhecem são do MPLA e a partir de uma invasão a escola que estudava e morava se vê na necessidade de luta armada, o próprio menino se vê como um pioneiro do MPLA após sofrer as perdas e agressões físicas que a guerra o obrigou e batalha com fogo pela sua liberdade da prisão inimiga. Sua história com o nome Ngunga termina pós ter o coração partido pela impossibilidade de um romance. Ele decide então mudar de nome e seguir sua vida como guerrilheiro anônimo, mas o Ngunga que venceu todos aqueles inimigos, que se tornou de certa maneira um herói, passa a ser apenas história. Decide partir como um desconhecido, um alguém comum.

Temos também Ndalu, do livro Os da minha rua (de 2007), que é um livro de contos que juntos encadeiam uma série de narrativas do próprio autor quando garoto contando sobre sua infância e os que viviam em sua volta. De maneira mais sutil e delicada, ele conta um pouco sobre aqueles dias e as pequenas felicidades, como o carnaval e o amigo que almoça em sua casa. Vemos aqui uma infância mais alegre e o sofrimento da guerra civil que acontecia pós a libertação é apresentado de uma maneira mais branda e com detalhes ligeiramente mais sutis em relação aos problemas sociais que viviam. Aqui, Ndalu apresenta diretamente sua visão perante aquele momento social, trazendo fatos e apontando detalhes que mostravam a redescoberta da própria Angola como país e um resgate cultural. Ndalu, entre os três, aparenta ter vivo de maneira menos pesada todo o sofrimento e a dureza que a guerra trazia para a população. O próprio autor comenta sobre a vida urbana que teve no centro de Luanda, e que aquela história é a dela, é uma das muitas narrativas sobre Luanda naquele período. Os contos terminam com a decisão do próprio garoto em viver uma vida distante, conhecendo o mundo fora dali, mas enraizando a certeza de que Luanda e sua família eram o ponto central de si próprio.

Por fim chegamos à Luuanda (livro publicado em 1963) e a seu primeiro conto com Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos, aquele que dos quatro personagens é o mais velho, mas ainda em sua fase pré-adolescente. Um garoto miserável, que vive com a avó em uma cubata e que juntos passam fome devido à falta de emprego dele. Zeca é um rapaz bom, que é mal interpretado e sofre diferentes humilhações durante o dia, de superiores, dos amigos, da namorada e até da avó. Aqui a pobreza extrema é o cenário desse personagem, que vive às margens da sociedade em uma condição extrema de sobrevivência. Zeca deseja viver uma vida em tese simples, onde poderia comer e usar roupas diferentes, porém a situação em que se encontra com a avó idosa não permite a ele tais coisas, mas ainda assim ele insiste em tentar lutar por isso. Termina o dia humilhado em um canto aproveitando a própria dor pela fome. Rita Chaves afirma como uma comunhão entre o narrador e o narrado, integralizando-se, redesenhado o roteiro da nacionalidade planejada. Tratada de modo que a cidade se legitima enquanto palco de aventuras que conduzem o fio da história de Angola. Já no segundo conto, temos Garrido Fernandes, pré-adolescente que sofre principalmente, de amor. Perdidamente apaixonado por Inácia, ele se dispõe a diversas humilhações, vergonhas e macas para tentar ganhar o coração da pequena, mas muito inseguro por sua condição física de aleijado, se sente inferior aos outros monandengues e por isso também se dá a questão que gira em torno desse conto: a falta de trabalho. Para tentar impressionar a menina, ele busca trabalhos dignos, mas a escassez que já ocorre para os amigos mais velhos Lomelino (Dosreis) e João Miguel (Via-Rápida), parece se abater ainda mais profundamente sobre ele por conta de sua deficiência. Por causa disso, ele e os amigos se metem em diversas estratégias de capiango, das quais numa um deles é pego pela polícia, ponto de partida da estória. Nesse episódio de Luuanda, mergulhamos profundamente nos sentimentos do Garrido Kam’tuta, em sua paixão, sonhos, idealizações e tentativas de se afirmar como homem íntegro, crescer. Através de seus olhos muito azuis, enxergamos os musseques de Luanda de uma forma bem mais íntima, intrínseca, como por exemplo, a distorção de Inácia, que assimilada, criada de branca, se vê também como branca e rejeita Garrido por não poder ser vista com um mulato. Já o terceiro conto de Luuanda traz o impasse da galinha e o ovo, em que os meninos Beto e Xico arrumam uma saída triunfal depois da longa discussão e até da tentativa de apreensão do ovo e da galinha. A estória, embora focalize outros temas, mostra a esperteza pura das crianças, a qual acarretará na dissolução do problema e no apaziguamento de nga Bina e Zefa, que só conseguirão se resolver após a tentativa bem-sucedida dos monandengues de salvar a galinha através de sua inteligência astuciosa.

Temos então quatro diferentes personagens: Zeca, Garrido, Ngunga e Ndalu, que passam entre si o problema do colonialismo e a guerra civil em Angola, cada qual com sua participação, vivência e com seus problemas refletidos. Eles estão ainda distantes da fase adulta, e apesar disso, todos tem quase que a obrigação de assumirem responsabilidades adultas.

Analisando as principais semelhanças entre eles, além do sofrimento social e histórico e a idade, entre a infância e a adolescência, temos ainda outro ponto importante que acontece com os quatro: a descoberta do amor. Zeca já possuí uma namorada, porém ainda apenas como namorados, ele cria uma confusão com a namorada, pois imaginando que ele a estava assediando e buscando relações sexuais antes do casamento, briga com ele e o manda embora, sendo o que o menino passava mal pela fome que o acompanha, essa é uma das últimas humilhações que o garoto passa antes de voltar pra casa depois de um dia difícil e sem qualquer esperança de melhora. Garrido sofre semelhante batalha com o amor por Inácia, pela qual é recorrentemente humilhado e inferiorizado, mas para a qual também sempre acaba retornando. Isso até o dia em que a pequena o engana e humilha em troca de um beijo que nunca realiza. Ali, mais triste do que nunca pelas atitudes doloridas da amada, Kam’tuta pensa até em suicídio. Já Ngunga encontra o amor em um kimbo, após ter matado um comandante inimigo que o prendera e fugido, a garota o impressiona e mesmo após ter conseguido encontrar um antigo companheiro, ele volta ao distante kimbo para buscá-la, porém descobre que ela já fora entregue a um casamento como uma espécie de mercadoria. Desiludido, ele decide deixar pra ela aquele Ngunga e saí no anonimato em busca de outras aventuras. Ndalu, por outro lado, conhece o primeiro amor em uma viagem à casa dos tios. Uma das garotas o encanta e ele começa um namoro infantil. Aparentemente o amor vai se diluindo após a separação, mas sem grandes consequências psicológicas ao personagem, ele encontra ainda outros pequenos amores na vida durante suas narrativas. De maneira geral, a descoberta do amor e a separação são parte importante dos personagens em sua formação, principalmente considerando a fase de vida que cada um deles apresenta, mesmo alguns mais novos, a responsabilidade na infância faz com que eles amadureçam até mesmo antes do momento, e a chegada do amor representa de certa maneira esse amadurecimento e consequente afronte com temas adultos, como para Garrido, por exemplo, que é motivo de chacota dos demais por nunca ter se deitado com uma mulher pela vergonha de sua deficiência, e se vê impelido a trabalhar e assumir responsabilidades adultas se quiser ter alguma chance com Inácia, tudo isso entre a infância e a adolescência.

Porém, retorno agora as diferenças apresentadas entre os quatro, essenciais para entender as diferentes visões sobre Angola por cada personagem. Zeca e Garrido, os mais velhos, representam aqui a miséria e a fome. O primeiro é um garoto dos bairros pobres de Luanda, onde a humilhação é recorrente e os homens brancos são os patrões e os mandantes dos lugares. Ele é um adolescente que luta para viver uma vida comum apesar de simples, um dos seus desejos é ter uma camisa, porém ao comprá-la, uma cadeia de problemas começa a se desencadear disso, e o preço da camisa custou para ele a avó a comida de alguns dias, o que o caracteriza como também irresponsável. O rapaz sofre diferentes humilhações durante o dia em que é narrada sua história, até mesmo na busca por emprego, onde é praticamente roubado para trabalhar, mas fica sem escolha. Sua humilhação é tanta que prefere inclusive esconder que havia conseguido um trabalho que não apresentava nenhuma dignidade. Além disso a fome é o fator principal que ronda sua história, que chega a ser tão intensa que ele sente dores físicas decorrentes da falta de comida. A miséria em que ele e a vó vivem é tanta que a ausência de comida se tornou algo comum na vida deles. A narrativa de Garrido explora a fome através de outro ângulo: o trabalho como meio de aplacá-la. A busca infrutífera por bicos e serviços o leva a começar a participar de pequenos furtos e outras estripolias junto a Dosreis e Via-Rápida, o que gera para ele consequências maléficas e ainda não o ajuda na árdua tarefa de cativar o coração de Inácia. A estória gira em torno dessa questão do trabalho digno quase impossível de se conseguir versus os pequenos atos de ilegalidade do grupo, o amor não-correspondido de Garrido e, é claro, o papagaio Jacó que o provoca com os insultos que a própria amada ensinara. Kam’tuta, mesmo com todo seu esforço pela pequena, não consegue arranjar trabalho fixo e digno, e esse acaba se tornando um dos principais motivos de rejeição da menina, que alega que além da vergonha de se unir a um mulato, não poderia suportar também que ele não pudesse sustentá-la e os consequentes comentários que adviriam dessa relação entre ela, assimilada, acostumada com a cultura do colonizador, da sua senhora branca, e ele, mulato inativo. É interessante, nessa chave, perceber como a garota se enrende como superior, mas não enxerga muito bem os limites e nuances desse desenho. A uma certa altura do texto, ela pede para o menino não cumprimentá-la quando estivesse na companhia da sua senhora, sob a possibilidade de ser envergonhada por isso, porém, o que ela é não parece perceber é que, apesar de ser uma assimilada, e das consequentes “vantagens” advindas disso, essa condição não a torna equivalente à sua senhora, como ela pensa ser. Há, nesse sentido, verdadeira assimilação com o modo de vida do colonizador, o que acaba por cegar o colonizado de sua realidade e dos diversos aspectos da vida de um angolano que são afetados por esse colonizador. Luuanda demonstra muito bem essa relação, com uma faceta diferente em cada um dos contos. No terceiro, por exemplo, uma outra vertente dessa chave colonizador-colonizado se apresenta quando os militares aparecem na rua onde está havendo a discussão entre nga Bina e Zefa e dizem abertamente que não se pode reunir mais de duas pessoas na rua, porque isso constituiria uma algazarra generalizada, e em seguida, abusam do poder para benefício próprio ao tentar levar a galinha com eles para fazer churrasco. A autoridade do colonizador e o nativo subjugado são temas recorrentes nesse livro e muito bem explorados, isto é, se mostram através da linguagem e do enredo, se fazem intrínsecos às histórias.

Já Ngunga é a representação do menino guerrilheiro, não se importa com o que pensam dele, é humilde e enfrenta sem medo o inimigo. Órfão e apesar da idade, ele passa sua história perdendo aqueles a quem cria um vínculo, porém essas perdas o fortalecem e apesar de ter apenas treze anos, ele demonstra maturidade e garra em sua jornada, se torna um pioneiro do MPLA após fugir de uma prisão do inimigo logo após tê-lo matado. Não se apega aos lugares e acredita na maldade do homem adulto. Também vive em uma condição de miséria, mas não se apega a isso e não gosta de ser o ‘coitado’, durante toda a sua jornada trabalha e batalha para conseguir sobreviver. Com Ngunga conhecemos a guerra pura, as batalhas por vida e a humilhação dos prisioneiros. Conhecemos a flora de Angola e conseguimos adentrar as dores da fuga e da batalha.

Chegamos então ao quarto personagem, Ndalu, que representa a redescoberta cultural. Com uma narrativa mais doce e colorida, podemos entender um pouco da infância do garoto e da vida urbana de Luanda. De maneira mais sutil temos aqui alguns pontos importantes da guerra civil pós libertação que aparecem nos detalhes. Em nome do progresso, muitas coisas são deixadas por ele e a família. Conhecemos nos pequenos detalhes as dores de um país que ainda sofria os reflexos de toda a guerra. O medo, apesar de discreto, é uma constante na vida dele e dos familiares. Também conseguimos ver na história a influência soviética na cidade, principalmente no capítulo “os quedes vermelhos da Tchi”, no qual o garoto afirma que o cantil soviético é o melhor e mais resistente, levando essa informação a diferentes momentos do desfile militar que participa. Há também um grande resgate cultural de Luanda, em que temos um momento de fundação e redescoberta do próprio país. Dentre eles, apesar dos pontos, o próprio autor afirma que “essa é uma das Luandas”, essa é a história mais “feliz” entre todos. Ndalu é a criança que vive de maneira mais saudável entre os outros as histórias.

Em relação aos quatro personagens, podemos destacar o que Candido traz em seu texto O Personagem da Ficção, pontuando que um aspecto importante é a função e a importância da ficção nas nossas vidas, o espaço ficcional nos coloca em uma posição privilegiada, o que nos coloca ao mesmo tempo distantes e próximos dos acontecimentos particulares, que não necessariamente conseguimos observar e refletir no cotidiano. Nos livros, quatro crianças trazem a realidade Angolana para perto de nós, trazendo sua história por diferentes pontos para o mundo a conhecer. Retomando aqui a importância dos personagens e da literatura Angolana apontada por Rita Chaves e comentado no início dessa análise, apesar de uma proximidade com o país por diferentes aspectos, como a língua em comum, por exemplo, temos um afastamento importante dos fatos e acontecimentos daquele, principalmente pela distância que a grande mídia traz perante a esses países, e os personagens analisados nos aproximam um pouco dessa realidade através da sua ficção.

“Quando, lendo um romance, dizemos que um fato, um ato, um pensamento são inverossímeis, em geral queremos dizer que na vida seria impossível ocorrer coisa semelhante. Entretanto, na vida tudo é praticamente possível; no romance é que a lógica da estrutura impõe limites mais apertados, resultando, paradoxalmente, que as personagens são menos livres, e que a narrativa é obrigada a ser mais coerente do que a vida. […] O que julgamos inverossímil, segundo padrões da vida corrente, é, na verdade, incoerente, em face da estrutura do livro.”

Em geral, temos aqui quatro crianças e quatro diferentes visões e vivências sobre e na Angola durante os períodos de libertação e guerra civil, aonde vemos as diferentes realidades e os diferentes pontos de vista e experiências a partir do ponto de vista de cada criança. Pontos como o amadurecimento precoce e a luta por sobrevivência são chave das três histórias. Umas vivendo a fome e a escassez, a outra a guerra e a outra o resgate de Angola. Com esses quatro diferentes personagens, podemos adentrar a história do país através de crianças que tem caráter mimético à realidade vivida nos diferentes momentos de Angola em quase uma linha do tempo comparativa aos fatos e ao sofrimento vivido por cada um deles, podemos através deles nos aproximar de diferentes momentos e contextos de Angola.

BIBLIOGRAFIA

CANDIDO, Antonio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Decio de A.; GOMES, Paulo E.S. A Personagem de Ficção. Editora Perspectiva. São Paulo: 1972. 3ªe.

ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro. Língua Geral, 2015

PEPETELA. As aventuras de Ngunga. Belo Horizonte. Nandyala, 2013

VIEIRA. José Luandino. Luuanda Lisboa. Caminho Editorial, 2004

CHAVES, Rita. José Luandino Vieira: consciência nacional e desassossego. In Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê, 2005.

Meu primeiro ano na Letras

Em 2017 um dos meus sonhos se realizou: passei no curso de Letras da USP!

Esse sonho já era antigo, mas só consegui realizar ele nesse ano de 2017. Eu queria estudar literatura, língua e viver disso. Escrever, fazer oficinas de escrita criativa e criar esse blog foi parte desse sonho também. E agora, estudando Letras pude finalmente chegar mais no fundo desse sonho e o post de hoje é pra contar desse primeiro ano estudando Letras.

O primeiro ano é o ano base da Letras, onde temos quatro matérias que nos introduzem a esse mundo. Claro que ainda é tudo introdutório, porém temos uma imersão bem grande nas matérias e leituras (literárias e técnicas) que nos levam de uma maneira bem intensa a começar os estudos. Nunca imaginei que seria tão intenso e maravilhoso como foi.

A primeira matéria que foi pra mim uma surpresa agradável foi a Introdução aos Estudos Clássicos. Imaginei tão pouco sobre ela, mas essa matéria entrou em uma das favoritas da vida. Estudamos basicamente Grécia e Roma e as produções literárias deles. Começamos com Grécia e aqui tem o que já conhecemos (antes de entrar na Letras): Ilíada e Odisseia. Mas não só lemos os livros, que no seu original eram orais e não escritos, mas estudamos um pouco mais a fundo cada um deles, fazendo até ligações e análises de Homero como um todo. Também nessa matéria que lemos, tanto no primeiro quanto no segundo semestre, a Poética do Aristóteles. Tivemos a Poética de Horácio, mas a base dos estudos foi Aristóteles. E por fim no primeiro semestre também tivemos uma épica latina, Eneida. Tivemos alguns outros textos paralelos, mas todos girando em torno da análise poética e a significância delas, além de estudar mais a fundo as suas relações e a imitação. No segundo semestre os ensinamentos do primeiro vieram conosco, principalmente as referencias dos dois grandes nomes de Homero e Vigílio, porém estudamos retórica, comédia, tragédia, oratória e diálogos, focando em autores como Platão, Cícero, Ésquilo, Aristóteles, Górcias e alguns outros mais filósofos e tragediógrafos gregos e romanos. Lemos obras como Em defesa do Poeta Arquias, Fedro, Sete contra Tebas e Édipo Rei. Aqui também estudamos a relação deles, as imitações, os textos e aprofundamos em cada um deles. A importância aqui é entender principalmente as origens, nossas e da literatura que hoje produzimos e lemos. Claro que não são leituras fáceis, porém, esses autores e textos precisam ser estudados por todos nós.

Outra das matérias que me surpreendeu e inclusive me fez querer a formação também em Português foi Introdução aos Estudos de Língua Portuguesa. Diferente do que se imagina, não aprendemos gramática, isso já é algo que deve vir conosco, além disso não é o foco da USP forma apenas gramáticos, mas estudiosos da língua. Aprendemos sobre variação, sobre texto oral e escrito, sobre dialetos e história da língua. É maravilhoso, me fez ver e amar a nossa língua de uma maneira que não imaginei ser possível. Aqui temos contato com autores como Pretti, Castilho, Basso e Jubran. Aprendi muito sobre as variantes e variações da língua, sobre, principalmente, preconceito linguístico. E apesar de não ter gramática, aprendi também sobre gramática e alguns termos técnicos. O mais legal nessas matérias foram os trabalhos, nos dois semestres, onde fizemos transcrição de áudios. Podemos aqui entender muito mais dos processos da língua, fala e organização. Graças aos ótimos professores que tive, optei por seguir na  habilitação em português pra aprender ainda mais sobre nossa língua, que é tão rica e linda.

Já Elementos da Linguística foi uma matéria que me deixou bem desolada. Era a que eu mais aguardava, pois a habilitação de Linguística era a que eu almejava, mas os dois semestres foram bem ruins -pra mim- e me fizeram desistir da habilitação. Mas linguística, a ciência que estuda as línguas, é maravilhosa, e estudamos ela em todos as línguas, só optei por não seguir exclusivamente nesse estudo. Mesmo com a experiência ruim, foi ótimo entender mais de fonética, fonologia, semiótica, semântica, pragmática e todas as outras frentes de segmentação para estudo de línguas. Focamos em 2 livros principais, com textos de vários autores e organizados pelo Fiorin, um dos professores da própria USP. A base que se leva aqui é ótima pra entender de maneira mais técnica todos os precedentes da língua. Você estuda alguns detalhes tão a fundo, que mesmo parecendo óbvios depois, são desapercebidos quando não estudamos.

Por fim, mas não menos esperada ou importante, a matéria de Estudos Literários. No primeiro semestre estudamos poesia, aprendi tanto sobre estrutura de poesia, história e análise. Eu, mesmo envolvida com a literatura, não fazia ideia da imensidão que poesia tinha e sua complexidade. Meu professor focou em Drummond e durante o semestre lemos muitas poesias dele e fizemos 2 trabalhos (estão aqui no Blog também), lemos também algumas outras: Sonetos de Shakespeare, Goethe, Manuel Bandeira e alguns poetas contemporâneos. Para as leituras teóricas tivemos muito Antonio Candido, mas também tivemos Rosenfeld, Jackobson, Bosi, Auerbach, Kayser e Adorno. Tudo isso pra aprender poesia, sua complexidade, suas analises, psicologia, história e estrutura. Já no segundo semestre nós tivemos prosa, mais precisamente conto e romance. Como base e análise para o trabalho final, lemos O Morro dos Ventos Uivantes, que coloquei aqui no blog também. Mas os contos todos foram focados principalmente em Machado de Assis. Em relação aos contos, lemos também Poe, Kafka, Clarice Lispector, Mario de Andrade, Guimarães Rosa e Cortazar. Para os textos técnicos tivemos Antonio Candido, Pamuk, Carpeaux, Eagleton, Franco Moretti, Ian Watt, Claudio Magris, Walter Benjamin, Osman Lins, Friedman, Tomachevski e Modesto Carone. Devo dizer que, até entrar na USP eu achei que entendia de literatura e sabia fazer análises críticas, mas isso mudou radicalmente quando vi uma análise e com os trabalhos que tive que fazer. Senti que amadureci muito com isso, aprendi mais e abri minha cabeça de uma maneira única pra literatura (o que interferiu diretamente na minha escrita também).

Agora em 2018 entro no meu segundo ano, vou seguir com a habilitação em português e decidi como segunda língua Italiano. Um pouco pela literatura, outro ponto pelo meu desempenho nesse primeiro ano (a escolha da habilitação é de acordo com o número de vagas e sua classificação pela média ponderada do ano). Fora isso, inglês eu já sei, alemão estudei e ainda estudo um pouco. E por fim, Italiano é a língua da minha família, então tem um Q especial na escolha. Apesar das escolhas, meu objetivo é fazer como optativa matérias do maior número possível de literaturas (de cada habilitação) e as teóricas. Fora as matérias de tradução, que serão foco pra mim também, quero me aprofundar e fazer tradução literária.

O que posso afirmar é que estou amando adentrar esse mundo, cada aula é uma felicidade sem fim pra mim, cada aprendizado… As aulas e os trabalhos me pegaram uma boa parcela de tempo, e a desatualização do blog são a prova viva disso, mas meu crescimento pessoal e profissional tem sido maravilhosos. Muita coisa boa vem por aí.

Feliz aniversário!

Hoje faz 3 anos do dia em que comecei esse blog e, principalmente, que começou a oficina de criação que me gerou tudo isso.

Nesse período muita coisa aconteceu. Comigo e com o blog. Mudamos, evoluímos, quase desistimos, tivemos crises, retornamos. Assim como a vida pede que sejamos.

Quando essa página começou eu tinha um primeiro objetivo muito simples, o de externar aquilo que me sufocava. Talvez, inconscientemente a oficina tenha começado assim também; a certeza que tenho é que ela terminou desse jeito e me fez um bem enorme. A partir dela muita coisa mexeu em mim e gigantes adormecidos deram as caras. Eu não parei de lá pra cá, e de agora pra frente a tendência é que piore.

Planos pro futuro eu tenho muitos. O próximo e o longo. E hoje, olhando pro presente, o meu presente, quero por em prática tudo o que ficou parado pelo tempo de recluso.

Se cheguei até aqui, tem também o apoio de muita gente. Principalmente quem lê, comenta ou acompanha todas as epifanias que eu trago aqui.

Feliz 3 anos, enquanto a chuva caí. Feliz 3 anos pra Dayane que aprendeu a voar na literatura.

Bem-vinda a nova versão de mim mesma.

E as coisas finalmente começaram a se inverter e que agora permaneçam assim. Deixei o blog totalmente ausente em 2016 (acho que posso afirmar que o fiz o mesmo com minha escrita, leituras e carreira literária) pra me dedicar a um sonho: fazer Letras na USP, que se realizou.

Estudar Letras na USP era um sonho. Nessa faculdade em específico pelas opções de habilitação, grade curricular e profundidade da universidade. Queria me envolver com a literatura, linguística, tradução…Eu adiei esse sonho por alguns bons anos, mas na última sexta ele se tornou real. Adiei muitos sonhos nos últimos anos, mas esse blog é a prova viva (digital) de que estou retornando aos poucos.

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Terminei o ensino médio em 2006, na época até tentei (em 2007 também), mas não passei. Em meados de 2008 eu tive a oportunidade de cursar uma universidade através do PROUNI. Não quis “gastar” essa oportunidade com Letras, porque esse curso tinha outro destino. Fui então cursar Comunicação Social. Minha habilitação foi em publicidade e propaganda. Na época desse curso eu pensei em prestar Letras também, mas a vida foi deixando isso de lado. Consegui um estágio, em uma das principais agencias do país (não diria que sorte, mas a vida me levou pra conquistas das quais nem sei dimensionar). Evoluí profissionalmente, ainda na mesma agência. Terminei minha graduação em 2012, mas não tinha condições de seguir pra uma outra em um tempo tão curso. Comecei uma pós-graduação, pra me especializar na área que eu trabalhava, tola, nem imaginava que iria abandonar tudo pra realizar meu sonho. 2013 foi o ano que dediquei pra um intercambio. Em 2014 resolvi que voltaria a tentar, foi o ano que também voltei a escrever, fui fazer uma oficina de criação literária e dela derivou esse blog. E tentei. Fuvest 2015, depois Fuvest 2016. Reprovada em todas. Mas pra Fuvest 2017 eu queria fazer diferente: dediquei a hora do almoço pra estudar, depois o sábado todo pra um cursinho. Não foi um ano fácil, mas eu estudei bastante, e precisava dessa ausência externa e dedicação pra poder realizar isso. E no dia 17/02 o reflexo de tudo isso deu certo: passei! Na última terça me matriculei, hoje acessei o sistema e já vi a minha grade do primeiro semestre.

Felicidade é algo que estou esbanjando sem fim. Os planos? Sinceramente, eu não sei, mas quero aproveitar mais o blog, falar dos meus estudos, aprofundar o que já venho tentando fazer em analises, do que leio, continuar escrevendo… Espero que tudo melhore, evolua e me faça mais presente nesse mundo (agora não preciso mais lembrar o que é diagrama de Pauling!), e claro que eu volte a ativa no blog, na vida e na literatura.

Um amigo (amigão por sinal) deixou-me um texto incrível sobre o momento, e quero deixar ele aqui pra lembrar sempre de que, um novo eu se forma:

“Venha, que a USP não existe mais sem a sua história, sem sua garra, sem as linhas e livros que serão rabiscados com sangue e suor. Sua poesia agora é do mundo. E para isso, não existe ABNT”

Minha poesia, os rascunhos… Tudo isso é pra me fazer melhor e me trazer ainda mais pra perto da literatura que eu gosto, da minha escrita. Minha história deu mais um passo pra próximo daquilo que sonhei pra mim.

Que comece uma nova era em mim.

Tolstói – 104 anos de morte

Hoje completa 104 da morte de Liev Tolstói. Escritor russo, formou junto com Tchekhov, Gorki e Dostoiévski um grande pilar na literatura russa. Morreu aos 84 anos de pneumonia em um 20 de novembro.

Entre suas obras mais famosas estão Guerra e Paz e Anne Karenina. Foi também um leitor dedicado.

“O único consolo que sinto ao pensar na inevitabilidade da minha morte é o mesmo que se sente quando o barco está em perigo: encontramo-nos todos na mesma situação.”

Anton-Tchekhov-Leon-Tolstoi

Da triste nova perda do que nos restou.

Essa semana o mundo literário perdeu mais um nome, grande nome Manuel de Barros. Seu coração parou em um dia 13, depois, do que ele próprio descreveu, de um estado de ruína.

Ano de perdas engloba esse 2014, que chegue logo seu fim, que termine e que pare de levar consigo nossos ídolos. Maré de dor que tem trago.

Ano cruel para as palavras, para o coração literário…

Em sua homenagem, o que de melhor ele deixou para nós.

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

 Manuel de Barros.

Manuel de Barros.

O mestre do terror

No último dia 07 de Outubro foi aniversário de morte de um dos principais escritores de terror da história da literatura: Edgar Allan Poe.

Poe nasceu em 1809, no dia 19 de Janeiro em Boston. Ainda criança ficou órfão, sua mãe faleceu logo depois de seu pai abandonar a família. Foi então adotado, nunca oficialmente, por Francis e John Allan. Junto com a nova família morou parte de sua infância em Londres, onde estudou em internatos. Curiosamente um deles ficava ao lado de um cemitério e as aulas de matemática dos alunos consistia em contar a data dos defuntos a partir das lápides. Como atividade física os alunos tinham de cavar os túmulos onde os mortos da cidade seriam enterrados. Volto para os Estados Unidos em 1820.

Não teve um bom relacionamento com o pai adotivo, endividou-se com jogos e bebia excessivamente. Foi editor de alguns jornais locais para poder sobreviver. Em 1836 casou-se em segredo com a própria prima, que na época tinha treze anos.

No dia 03 de Outubro de 1849, Poe foi encontrado em estado de delírio, foi levado ao hospital e morreu quatro dias depois.

Está entre um dos principais escritores da literatura mundial, inclusive muito se estudo sobre sua influência gênero de contos. Além de sua influência literária, referencias em músicas, filmes e séries são nitidamente baseadas em seu estilo e textos.

Sua literatura é conhecida pelo conteúdo de terror que a contém, sendo classificado como uma literatura gótica. Particularmente Poe é um dos meus escritores favoritos. O conteúdo de sua obra é intenso e aconselho a todos a leitura. Entre seus textos, o mais famoso é “The Raven”, ou “O Corvo”. No Brasil, O Corvo ganhou uma tradução feita por Machado de Assis.

Para quem gosta desse estilo literário, e pra quem gosta do Poe, existe o site do Edgar Allan Poe Museum, com informações bem detalhadas sobre a vida do escritor. E claro, quem um dia puder visitar o museu, deve ser incrível.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, — o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: “O tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?”
E o corvo disse: “Nunca mais”.

edgar-allan-poe-biografia

As últimas três lágrimas da literatura.

A literatura brasileira derrubou 3 pesadas lágrimas nos últimos dias. João Ubaldo, Rubem Alves e Ariano Suassuna.

O acalma meu coração é que ainda o manteremos vivos em cada palavra deixava, em cada nova página de seus livros. O mundo perdeu a presença de seus corpos. Suas almas não. Elas estarão conosco em seus textos.

Fiquem em paz, pois a obra de vocês foi cumprida com maestria no mundo. A eternidade de vocês está registrada em suas próprias palavras.

110 anos da morte de Tchekohv e suas 110 coincidências em mim.

Hoje é aniversário de morte de Tchekhov (110 anos). Sábado foi o último encontro da oficina. O que eles têm em comum? Na minha vida tudo.

Quando entrei na oficina foi aclamada com um padrinho, o argentino Girondo. Com o tempo, percebi que meu padrinho era na verdade outro. As aulas se mantiveram, os encontros eram calorosos e amáveis e em um dos últimos eu li “O último trem” em seguida um amigo me falou “você deveria ler Tchekhov, te fará bem”, curiosamente me disse isso dias depois do meu relato ao capítulo dedicado ao incrível nome da literatura russa no livro “Para ler como um escritor” que tanto me comoveu e incrivelmente mexeu comigo.

Segui o conselho (confesso um dos melhores que recebi) e comprei o conto “O Duelo”. Já tinha uma expectativa criada quando comecei a ler, mas a cada nova palavra cada pingo dessa agonia era superada com muita classe. Me encantei nos primeiros parágrafos e já no primeiro capítulo Tchekhov entrou na lista dos meus escritores favoritos. Assim que pude avisei esse mesmo amigo que estava lendo o livro e que estava apaixonada. Ele me aconselhou a ler também o livro de contos “A Dama do Cachorrinho”.

Os poucos dias passaram-se e no último sábado (12) foi triste para o último encontro da oficina com meus amigos (já posso chama-los assim). O dia passou, foi ótimo (e ainda encontro palavras para descrever toda essa emoção para vocês) e o mesmo colega que me aconselhou a ler esse maravilhoso escritor russo me chamou de canto e tirou da mochila um exemplar de “A Dama do Cachorrinho”.

Magina, me emocionei pouco. Quase nada. Eu nem gosto de ganhar livros. Fora que, o conselho dele foi o melhor presente que pude receber.

Pastelona como sou, terminei na terça (14/07) O Duelo. E hoje pela manhã, combinando com a data de 110 anos da morte de Tchekhov iniciei minha leitura de “A Dama do Cachorrinho”.  Detalhe: só me atentei a data porque outro amigo veio conversar comigo e comentei sobre meu amadurecimento literário e o conhecimento da obra de Tchekhov.

Curioso tudo isso né? No fim, considero que Tchekhov tenha sido o verdadeiro padrinho e conselheiro que me acompanha. Depois de tantas coincidências não poderia deixar de ser. Uma bela e literária coincidência.

Aproveitando a data de hoje, o relato de Olga, esposa de Tchekhov depois de sua morte:

“Anton sentou-se totalmente ereto e disse em voz alta e clara (embora ele não soubesse quase nada de alemão): Ich sterbe (Estou morrendo). O médico o acalmou, pegou uma seringa, deu-lhe uma injeção de cânfora e pediu champanhe. Anton tomou uma taça cheia, examinou-a, sorriu para mim e disse: “Já faz muito tempo que eu não bebo champanhe.” Ele esvaziou a taça e inclinou-se tranquilamente para a esquerda. E eu só tive tempo de correr em sua direção e colocá-lo na cama e chamá-lo, mas ele tinha parado de respirar e estava dormindo em paz como uma criança…”*

E terminando, extrai de “O Duelo” o dialogo que representa muito em meu momento particular e é carregado de um simbolismo incrível que só quem leu entende:

– É você? A tempestade acabou?

– Acabou.

 

* Texto retirado do site da L&PM disponível aqui: http://www.lpm-blog.com.br/?p=24597