Esse ano tive o prazer de estudar literatura africana. Antes da USP eu não tinha qualquer conhecimento sobre o assunto e descobri que parte disso é devido ao colonialismo presente nos dois continentes. E claro, o fato de grande parte da história do mundo ser contada por uma visão bem específica e elitista. Pois bem, resolvi me matricular em Literatura Africana de Língua Portuguesa I – Angola. Estudei no semestre autores angolanos, passando ainda por sua história como país e colônia. A Tânia, professora, é um ser maravilhoso e pode ainda nos abrir mais a mente através de sua visão social e política. Pois bem, depois do semestre todo estudando desde as obras durante guerra, pré e pós libertação, finalizamos com um trabalho comparativo sobre 3 obras: Luuanda, As aventuras de Ngunga e Os da minha terra. Foi lindo fazer o trabalho e principalmente poder ler obras tão ricas, para a Fuvest eu já havia lido Mayombe, mas minha base na literatura africana ainda é muito rasa. Decidi também compartilhar com vocês o trabalho, eu o executei junto a uma colega (a Bia) e falamos das crianças africanas presente nas obras e suas representações históricas na cultura angolana, é quase uma resenha também:
A VISÃO DE ANGOLA ATRAVÉS DAS CRIANÇAS DE LUUANDA, OS DA MINHA TERRA E AS AVENTURAS DE NGUNGA.
INTRODUÇÃO
Cinco diferentes histórias trazem ao centro da discussão personagens crianças com diferentes pontos de vistas sobre um país que lutou pela sua independência e após isso precisaram lutar em uma guerra civil, crianças essas que também podemos representar hoje como pré-adolescentes. Cada qual em uma diferente realidade e características próprias, vivendo em diferentes momentos de Angola trazendo ao leitor diferentes pontos de vista e realidades sobre um país em guerra e em formação, seja por um personagem que passa fome nos bairros pobres, um que não encontra trabalho digno pela dupla deficiência, a do seu corpo e a do seu musseque, um que luta na guerra junto ao MPLA e um que, entre os quatro, possui uma infância aparentemente mais feliz e tranquila durante a guerra civil e que nos conta um pouco da redescoberta cultural de Angola e principalmente de Luanda durante a guerra que os rondava pós libertação.
Baseado nisso, o trabalho a seguir visa analisar e explorar esses quatro personagens criança nos livros: As aventuras de Ngunga, no qual Ngunga é o personagem central de treze anos e que se torna um guerrilheiro dos movimentos de libertação de Angola; Os da minha rua, em que Ndalu narra suas histórias -autobiográficas- durante a infância em Luanda e por fim Luuanda, considerando o primeiro dos contos, no qual temos Zeca Santos, aparentemente mais velho que os demais, porém ainda na fase adolescência e que vive na miséria junto com a avó em um dos bairros mais pobres de Luanda; e o segundo conto em que Garrido, um menino aleijado que sofre as limitações sociais de seu corpo enquanto busca trabalho, amor e reconhecimento das pessoas ao seu redor. Os monandengues Beto e Xico, do terceiro conto de Luuanda, embora muito relevantes para o desfecho da história da galinha Cabíri, pouco são focalizados durante a estória, a qual se volta mais para a discussão sobre a proprietária do ovo, por isso, o trabalho se concentrará nos outros personagens, ainda que estes sejam citados eventualmente.
Através da perspectiva de cada personagem, o trabalho busca comparar as quatro infâncias e relacioná-las ao momento histórico de Angola apontando as descobertas e redescobertas do país e de cada personagem em sua personalidade e característica.
ANÁLISE
Nos três livros analisados encontramos diferentes personagens em idade ainda criança ou pré-adolescência, cada qual com suas peculiaridades, porém os quatro em condições históricas correlacionadas. Em um contexto Angolano, um país muito novo em relação a sua libertação, a fome, a miséria, a luta e a infância são pontos de extrema atenção e que foram retratados de maneiras diferentes em cada um dos textos. Podemos então, através das crianças, entender o momento do país e as lutas que se angariavam. A relação dos personagens se torna importante pois, através da ficção em suas construções como personagem, é possível analisar o contexto e a situação social do país e do momento: a ficção nos leva a compreender o real.
Esse ponto da ficção na formação e aproximação da história de Angola se faz no texto de Rita Chaves quando aponta que a “história das Letras em Angola se mistura ostensivamente à história do país”. As literaturas se misturam à realidade e exporta para além de Angola outros países, por isso também a importância de olhar no detalhe esses três textos para nos aproximarmos e entendermos mais da história de Angola.
Começando com As Aventuras de Ngunga, publicado em 1973 (dois anos antes da libertação) conhecemos Ngunga, um menino de treze anos e órfão, dentre os três, esse é o livro que aborda mais diretamente a guerra de libertação de Angola contra o colonialismo salazariano de Portugal. Ngunga vive de certa maneira como andarilho de kimbo em kimbo após a morte dos pais pela guerra, ele busca um lugar e talvez até um lar. Ngunga é um aventureiro, apesar da pouca idade e de não se descrever como tal. Destemido, ele vaga por lugares sem medo de trabalho vivendo daquilo que os lugares podem lhe oferecer. Além de perder os pais, o menino também vai perdendo todas aquelas pessoas a quem tem um carinho e que vai conhecendo durante sua jornada, tudo movido pela guerra que o cerca. Em seu pensamento infantil, classifica os adultos como pessoas más e as crianças como boas, porém um dos adultos a quem tem uma proximidade, o professor União, é o único adulto o qual ele considera que não é mal. Em sua jornada, conhecemos um pouco do interior da Angola e da sua flora. Ngunga é bastante reservado e quieto, não costuma falar muito, é honesto e dedicado aquilo que faz, vive sua infância a maneira que dá, sem grandes regalias e trabalhando desde muito cedo. Grande parte das pessoas que conhecem são do MPLA e a partir de uma invasão a escola que estudava e morava se vê na necessidade de luta armada, o próprio menino se vê como um pioneiro do MPLA após sofrer as perdas e agressões físicas que a guerra o obrigou e batalha com fogo pela sua liberdade da prisão inimiga. Sua história com o nome Ngunga termina pós ter o coração partido pela impossibilidade de um romance. Ele decide então mudar de nome e seguir sua vida como guerrilheiro anônimo, mas o Ngunga que venceu todos aqueles inimigos, que se tornou de certa maneira um herói, passa a ser apenas história. Decide partir como um desconhecido, um alguém comum.
Temos também Ndalu, do livro Os da minha rua (de 2007), que é um livro de contos que juntos encadeiam uma série de narrativas do próprio autor quando garoto contando sobre sua infância e os que viviam em sua volta. De maneira mais sutil e delicada, ele conta um pouco sobre aqueles dias e as pequenas felicidades, como o carnaval e o amigo que almoça em sua casa. Vemos aqui uma infância mais alegre e o sofrimento da guerra civil que acontecia pós a libertação é apresentado de uma maneira mais branda e com detalhes ligeiramente mais sutis em relação aos problemas sociais que viviam. Aqui, Ndalu apresenta diretamente sua visão perante aquele momento social, trazendo fatos e apontando detalhes que mostravam a redescoberta da própria Angola como país e um resgate cultural. Ndalu, entre os três, aparenta ter vivo de maneira menos pesada todo o sofrimento e a dureza que a guerra trazia para a população. O próprio autor comenta sobre a vida urbana que teve no centro de Luanda, e que aquela história é a dela, é uma das muitas narrativas sobre Luanda naquele período. Os contos terminam com a decisão do próprio garoto em viver uma vida distante, conhecendo o mundo fora dali, mas enraizando a certeza de que Luanda e sua família eram o ponto central de si próprio.
Por fim chegamos à Luuanda (livro publicado em 1963) e a seu primeiro conto com Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos, aquele que dos quatro personagens é o mais velho, mas ainda em sua fase pré-adolescente. Um garoto miserável, que vive com a avó em uma cubata e que juntos passam fome devido à falta de emprego dele. Zeca é um rapaz bom, que é mal interpretado e sofre diferentes humilhações durante o dia, de superiores, dos amigos, da namorada e até da avó. Aqui a pobreza extrema é o cenário desse personagem, que vive às margens da sociedade em uma condição extrema de sobrevivência. Zeca deseja viver uma vida em tese simples, onde poderia comer e usar roupas diferentes, porém a situação em que se encontra com a avó idosa não permite a ele tais coisas, mas ainda assim ele insiste em tentar lutar por isso. Termina o dia humilhado em um canto aproveitando a própria dor pela fome. Rita Chaves afirma como uma comunhão entre o narrador e o narrado, integralizando-se, redesenhado o roteiro da nacionalidade planejada. Tratada de modo que a cidade se legitima enquanto palco de aventuras que conduzem o fio da história de Angola. Já no segundo conto, temos Garrido Fernandes, pré-adolescente que sofre principalmente, de amor. Perdidamente apaixonado por Inácia, ele se dispõe a diversas humilhações, vergonhas e macas para tentar ganhar o coração da pequena, mas muito inseguro por sua condição física de aleijado, se sente inferior aos outros monandengues e por isso também se dá a questão que gira em torno desse conto: a falta de trabalho. Para tentar impressionar a menina, ele busca trabalhos dignos, mas a escassez que já ocorre para os amigos mais velhos Lomelino (Dosreis) e João Miguel (Via-Rápida), parece se abater ainda mais profundamente sobre ele por conta de sua deficiência. Por causa disso, ele e os amigos se metem em diversas estratégias de capiango, das quais numa um deles é pego pela polícia, ponto de partida da estória. Nesse episódio de Luuanda, mergulhamos profundamente nos sentimentos do Garrido Kam’tuta, em sua paixão, sonhos, idealizações e tentativas de se afirmar como homem íntegro, crescer. Através de seus olhos muito azuis, enxergamos os musseques de Luanda de uma forma bem mais íntima, intrínseca, como por exemplo, a distorção de Inácia, que assimilada, criada de branca, se vê também como branca e rejeita Garrido por não poder ser vista com um mulato. Já o terceiro conto de Luuanda traz o impasse da galinha e o ovo, em que os meninos Beto e Xico arrumam uma saída triunfal depois da longa discussão e até da tentativa de apreensão do ovo e da galinha. A estória, embora focalize outros temas, mostra a esperteza pura das crianças, a qual acarretará na dissolução do problema e no apaziguamento de nga Bina e Zefa, que só conseguirão se resolver após a tentativa bem-sucedida dos monandengues de salvar a galinha através de sua inteligência astuciosa.
Temos então quatro diferentes personagens: Zeca, Garrido, Ngunga e Ndalu, que passam entre si o problema do colonialismo e a guerra civil em Angola, cada qual com sua participação, vivência e com seus problemas refletidos. Eles estão ainda distantes da fase adulta, e apesar disso, todos tem quase que a obrigação de assumirem responsabilidades adultas.
Analisando as principais semelhanças entre eles, além do sofrimento social e histórico e a idade, entre a infância e a adolescência, temos ainda outro ponto importante que acontece com os quatro: a descoberta do amor. Zeca já possuí uma namorada, porém ainda apenas como namorados, ele cria uma confusão com a namorada, pois imaginando que ele a estava assediando e buscando relações sexuais antes do casamento, briga com ele e o manda embora, sendo o que o menino passava mal pela fome que o acompanha, essa é uma das últimas humilhações que o garoto passa antes de voltar pra casa depois de um dia difícil e sem qualquer esperança de melhora. Garrido sofre semelhante batalha com o amor por Inácia, pela qual é recorrentemente humilhado e inferiorizado, mas para a qual também sempre acaba retornando. Isso até o dia em que a pequena o engana e humilha em troca de um beijo que nunca realiza. Ali, mais triste do que nunca pelas atitudes doloridas da amada, Kam’tuta pensa até em suicídio. Já Ngunga encontra o amor em um kimbo, após ter matado um comandante inimigo que o prendera e fugido, a garota o impressiona e mesmo após ter conseguido encontrar um antigo companheiro, ele volta ao distante kimbo para buscá-la, porém descobre que ela já fora entregue a um casamento como uma espécie de mercadoria. Desiludido, ele decide deixar pra ela aquele Ngunga e saí no anonimato em busca de outras aventuras. Ndalu, por outro lado, conhece o primeiro amor em uma viagem à casa dos tios. Uma das garotas o encanta e ele começa um namoro infantil. Aparentemente o amor vai se diluindo após a separação, mas sem grandes consequências psicológicas ao personagem, ele encontra ainda outros pequenos amores na vida durante suas narrativas. De maneira geral, a descoberta do amor e a separação são parte importante dos personagens em sua formação, principalmente considerando a fase de vida que cada um deles apresenta, mesmo alguns mais novos, a responsabilidade na infância faz com que eles amadureçam até mesmo antes do momento, e a chegada do amor representa de certa maneira esse amadurecimento e consequente afronte com temas adultos, como para Garrido, por exemplo, que é motivo de chacota dos demais por nunca ter se deitado com uma mulher pela vergonha de sua deficiência, e se vê impelido a trabalhar e assumir responsabilidades adultas se quiser ter alguma chance com Inácia, tudo isso entre a infância e a adolescência.
Porém, retorno agora as diferenças apresentadas entre os quatro, essenciais para entender as diferentes visões sobre Angola por cada personagem. Zeca e Garrido, os mais velhos, representam aqui a miséria e a fome. O primeiro é um garoto dos bairros pobres de Luanda, onde a humilhação é recorrente e os homens brancos são os patrões e os mandantes dos lugares. Ele é um adolescente que luta para viver uma vida comum apesar de simples, um dos seus desejos é ter uma camisa, porém ao comprá-la, uma cadeia de problemas começa a se desencadear disso, e o preço da camisa custou para ele a avó a comida de alguns dias, o que o caracteriza como também irresponsável. O rapaz sofre diferentes humilhações durante o dia em que é narrada sua história, até mesmo na busca por emprego, onde é praticamente roubado para trabalhar, mas fica sem escolha. Sua humilhação é tanta que prefere inclusive esconder que havia conseguido um trabalho que não apresentava nenhuma dignidade. Além disso a fome é o fator principal que ronda sua história, que chega a ser tão intensa que ele sente dores físicas decorrentes da falta de comida. A miséria em que ele e a vó vivem é tanta que a ausência de comida se tornou algo comum na vida deles. A narrativa de Garrido explora a fome através de outro ângulo: o trabalho como meio de aplacá-la. A busca infrutífera por bicos e serviços o leva a começar a participar de pequenos furtos e outras estripolias junto a Dosreis e Via-Rápida, o que gera para ele consequências maléficas e ainda não o ajuda na árdua tarefa de cativar o coração de Inácia. A estória gira em torno dessa questão do trabalho digno quase impossível de se conseguir versus os pequenos atos de ilegalidade do grupo, o amor não-correspondido de Garrido e, é claro, o papagaio Jacó que o provoca com os insultos que a própria amada ensinara. Kam’tuta, mesmo com todo seu esforço pela pequena, não consegue arranjar trabalho fixo e digno, e esse acaba se tornando um dos principais motivos de rejeição da menina, que alega que além da vergonha de se unir a um mulato, não poderia suportar também que ele não pudesse sustentá-la e os consequentes comentários que adviriam dessa relação entre ela, assimilada, acostumada com a cultura do colonizador, da sua senhora branca, e ele, mulato inativo. É interessante, nessa chave, perceber como a garota se enrende como superior, mas não enxerga muito bem os limites e nuances desse desenho. A uma certa altura do texto, ela pede para o menino não cumprimentá-la quando estivesse na companhia da sua senhora, sob a possibilidade de ser envergonhada por isso, porém, o que ela é não parece perceber é que, apesar de ser uma assimilada, e das consequentes “vantagens” advindas disso, essa condição não a torna equivalente à sua senhora, como ela pensa ser. Há, nesse sentido, verdadeira assimilação com o modo de vida do colonizador, o que acaba por cegar o colonizado de sua realidade e dos diversos aspectos da vida de um angolano que são afetados por esse colonizador. Luuanda demonstra muito bem essa relação, com uma faceta diferente em cada um dos contos. No terceiro, por exemplo, uma outra vertente dessa chave colonizador-colonizado se apresenta quando os militares aparecem na rua onde está havendo a discussão entre nga Bina e Zefa e dizem abertamente que não se pode reunir mais de duas pessoas na rua, porque isso constituiria uma algazarra generalizada, e em seguida, abusam do poder para benefício próprio ao tentar levar a galinha com eles para fazer churrasco. A autoridade do colonizador e o nativo subjugado são temas recorrentes nesse livro e muito bem explorados, isto é, se mostram através da linguagem e do enredo, se fazem intrínsecos às histórias.
Já Ngunga é a representação do menino guerrilheiro, não se importa com o que pensam dele, é humilde e enfrenta sem medo o inimigo. Órfão e apesar da idade, ele passa sua história perdendo aqueles a quem cria um vínculo, porém essas perdas o fortalecem e apesar de ter apenas treze anos, ele demonstra maturidade e garra em sua jornada, se torna um pioneiro do MPLA após fugir de uma prisão do inimigo logo após tê-lo matado. Não se apega aos lugares e acredita na maldade do homem adulto. Também vive em uma condição de miséria, mas não se apega a isso e não gosta de ser o ‘coitado’, durante toda a sua jornada trabalha e batalha para conseguir sobreviver. Com Ngunga conhecemos a guerra pura, as batalhas por vida e a humilhação dos prisioneiros. Conhecemos a flora de Angola e conseguimos adentrar as dores da fuga e da batalha.
Chegamos então ao quarto personagem, Ndalu, que representa a redescoberta cultural. Com uma narrativa mais doce e colorida, podemos entender um pouco da infância do garoto e da vida urbana de Luanda. De maneira mais sutil temos aqui alguns pontos importantes da guerra civil pós libertação que aparecem nos detalhes. Em nome do progresso, muitas coisas são deixadas por ele e a família. Conhecemos nos pequenos detalhes as dores de um país que ainda sofria os reflexos de toda a guerra. O medo, apesar de discreto, é uma constante na vida dele e dos familiares. Também conseguimos ver na história a influência soviética na cidade, principalmente no capítulo “os quedes vermelhos da Tchi”, no qual o garoto afirma que o cantil soviético é o melhor e mais resistente, levando essa informação a diferentes momentos do desfile militar que participa. Há também um grande resgate cultural de Luanda, em que temos um momento de fundação e redescoberta do próprio país. Dentre eles, apesar dos pontos, o próprio autor afirma que “essa é uma das Luandas”, essa é a história mais “feliz” entre todos. Ndalu é a criança que vive de maneira mais saudável entre os outros as histórias.
Em relação aos quatro personagens, podemos destacar o que Candido traz em seu texto O Personagem da Ficção, pontuando que um aspecto importante é a função e a importância da ficção nas nossas vidas, o espaço ficcional nos coloca em uma posição privilegiada, o que nos coloca ao mesmo tempo distantes e próximos dos acontecimentos particulares, que não necessariamente conseguimos observar e refletir no cotidiano. Nos livros, quatro crianças trazem a realidade Angolana para perto de nós, trazendo sua história por diferentes pontos para o mundo a conhecer. Retomando aqui a importância dos personagens e da literatura Angolana apontada por Rita Chaves e comentado no início dessa análise, apesar de uma proximidade com o país por diferentes aspectos, como a língua em comum, por exemplo, temos um afastamento importante dos fatos e acontecimentos daquele, principalmente pela distância que a grande mídia traz perante a esses países, e os personagens analisados nos aproximam um pouco dessa realidade através da sua ficção.
“Quando, lendo um romance, dizemos que um fato, um ato, um pensamento são inverossímeis, em geral queremos dizer que na vida seria impossível ocorrer coisa semelhante. Entretanto, na vida tudo é praticamente possível; no romance é que a lógica da estrutura impõe limites mais apertados, resultando, paradoxalmente, que as personagens são menos livres, e que a narrativa é obrigada a ser mais coerente do que a vida. […] O que julgamos inverossímil, segundo padrões da vida corrente, é, na verdade, incoerente, em face da estrutura do livro.”
Em geral, temos aqui quatro crianças e quatro diferentes visões e vivências sobre e na Angola durante os períodos de libertação e guerra civil, aonde vemos as diferentes realidades e os diferentes pontos de vista e experiências a partir do ponto de vista de cada criança. Pontos como o amadurecimento precoce e a luta por sobrevivência são chave das três histórias. Umas vivendo a fome e a escassez, a outra a guerra e a outra o resgate de Angola. Com esses quatro diferentes personagens, podemos adentrar a história do país através de crianças que tem caráter mimético à realidade vivida nos diferentes momentos de Angola em quase uma linha do tempo comparativa aos fatos e ao sofrimento vivido por cada um deles, podemos através deles nos aproximar de diferentes momentos e contextos de Angola.
BIBLIOGRAFIA
CANDIDO, Antonio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Decio de A.; GOMES, Paulo E.S. A Personagem de Ficção. Editora Perspectiva. São Paulo: 1972. 3ªe.
ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro. Língua Geral, 2015
PEPETELA. As aventuras de Ngunga. Belo Horizonte. Nandyala, 2013
VIEIRA. José Luandino. Luuanda Lisboa. Caminho Editorial, 2004
CHAVES, Rita. José Luandino Vieira: consciência nacional e desassossego. In Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê, 2005.